O MANÍACO DO BILHETE

Maníaco do Bilhete

Suzy Ramone
 
O horror é um gênero tão abrangente que sempre interage com temas como o crime, a psicopatia, a perseguição, o desespero. Este conto é a prova de que escritores empenhados e criativos podem fazer histórias que nos intrigam e nos fazem, desesperadamente, querer saber o final. Um tipo de terror psicológico, melhor dizendo, um thriller de perseguição contextualizado com temas novelescos como a traição e a vingança. Além, é claro, de seu grande final.
 

     Ao aproximar-se de seu carro, Marcos encontrou preso no para-brisa um pedaço de papel. Não era um panfleto comum, disso já desconfiava por causa das pautas na folha.
     Curioso, desdobrou a página arrancada de um caderno e se surpreendeu com a brincadeira de mau gosto:

“Dez mil reais dentro da lixeira na esquina do posto de gasolina da Rua Ponta Lisa até a meia noite, ou a morte de todos os seus queridos animais de estimação”.
 
     − Bobagens! Sussurrou amassando a lamina e a jogou no meio fio.
     Quem seria o idiota que estava tentando pregar-lhe uma peça?
     Pensou no sócio Nilton. Talvez ele tivesse descoberto suas falcatruas sobre o desvio de verbas da corporação. Nilton sabe a adoração que Marcos tem por aqueles Pit Bulls que cria no vasto quintal de sua residência. Aliás, todos sabem.      Não é segredo que os animais são para ele mais valiosos do que qualquer membro da família.
     Nilton tem muito dinheiro e além do mais se precisasse de dez mil bastava pedir que Marcos emprestaria.
     Abriu um sorriso patético enquanto dirigia. Durante uns cinco minutos aquele bilhete o intrigou, não mais que isso. Tinha coisas importantes com que se preocupar e não acreditava que alguém pudesse fazer mal aos seus bichos de estimação.
     Passou na floricultura e não economizou no buquê de rosas vermelhas. Sarah teria uma surpresa.
     Assim que abriu a porta, a namorada de Marcos arregalou os olhos deslumbrados com o buquê exagerado.
    − Feliz aniversário, querida!
     − Puxa, obrigada! – Ela exclamou com um sorriso de ponta a ponta enquanto afastava mais a porta para que ele entrasse.
Trocaram beijos apaixonados e não mais que de repente o sorriso de Sarah feneceu dando lugar a um semblante sério e preocupado.
     − O que houve? – Ele perguntou.
     − Nada. É só que eu não gosto dessa data. - Ela baixou o olhar.
     − Ah deixa de bobagem. Venha, vamos ao cinema.
     Sarah concordou com o mesmo sorriso de sempre e os dois saíram.
     Ela escondia a tristeza por ter descoberto a traição de Marcos. No dia anterior, um telefonema anônimo a levou até o local do crime.
     Cheia de ódio, espiou pela vidraça do restaurante o encontro romântico de seu namorado com a vaca loira da rua de baixo. Fabiana, que outrora participara de sua vida e fora sua melhor amiga, estava ali olhando nos olhos de seu homem enquanto as mãos do cafajeste passeavam sobre as dela.
     Idéias mirabolantes de vingança saltavam da mente de Sarah como pulgas atacadas por veneno no pelo de um felino.
     As cenas do filme que passava não prenderam a sua atenção. Como ele poderia ser tão cínico? De alguma forma Sarah faria com que a mascara caísse. A vontade que teve foi de fazê-lo engolir aquelas rosas com espinho e tudo, mas manteve o controle. Ficaria calma até que concretizasse o seu plano de vingança.
     Já passava das onze quando Marcos a deixou na porta de casa e foi descansar. Amanhã teria um dia cheio na firma e se tudo desse certo levaria Fabiana para um motel na hora do almoço, como sempre fazem os homens comprometidos com o intuito de não despertar a desconfiança das esposas e namoradas.
     Que canalha! Pensou consigo mesmo abrindo um sorriso sacana.
     Brincou com os cachorros e tomou um longo banho. Aconchegado nos lençóis macios de cetim, se entregou ao sono profundo e nem por um instante lembrou-se do bilhete encontrado esta manhã.
     Abordado pela claridade que passava pela brecha da cortina, Marcos despertou. Espreguiçou-se sonolento e com os olhos semicerrados cambaleou até o banheiro.
     Ao finalizar a higiene matinal, saiu do toalete e afastou o acortinado dando as boas vindas ao sol que brilhava lá fora.
     Um calafrio subiu pela espinha ao percorrer os olhos pelo quintal. Não quis acreditar que espalhados pelo tapete de grama verde, jaziam inertes os seus tão queridos cães. Seus amigos, seus companheiros, os responsáveis pela sua alegria haviam sido assassinados.
    Num lapso de desespero, apertou as pálpebras vislumbrando a caligrafia daquele maldito bilhete.
     Correu para fora e ajoelhou-se perante os amigos enquanto as lágrimas lavavam o seu rosto incrédulo.
     Os oito Pit Bulls estavam mortos e não havia mais nada que pudesse ser feito. Se ele tivesse dado atenção àquele bilhete, se tivesse pago os dez mil... Por Deus!   Quem faria uma coisa dessas?
     Com muito custo, encaminhou os corpos para o crematório da prefeitura e recolheu os bifes envenenados que restaram no quintal.
     Estava sem condições psicológicas de ir trabalhar, mesmo assim queria sair dali. Quem sabe ocupar a mente com o serviço amenizaria um pouco o sofrimento daquela triste perda.
     Entrou no veículo estacionado na garagem e uma lufada de pavor invadiu suas entranhas ao notar preso no para-brisa mais um bilhete sinistro e perturbador.
     Com cada parte do seu corpo tremendo feito vara verde, Marcos leu as inscrições:

“Eu avisei! Você tem três horas para serrar a sua mão esquerda e depositá-la na lixeira do posto de gasolina. Caso desobedeça, um ente muito querido passará dessa para melhor.”
PS: “Se a polícia for envolvida nisso, as coisas ficarão piores do que você imagina.”

     Não deu para segurar. Um jorro de vomito lavou tudo ao redor. A cabeça girava num turbilhão de imagens misturadas ao som do telefone que tocava.
     Quase se arrastando, Marcos chegou até a sala e atendeu a ligação.
     − Alô. – Disse com a voz embargada.
     − Faltam duas horas e trinta e cinco minutos. O que vai ser? – Disse a voz quase familiar desligando a seguir.
     Marcos deitou-se no carpete e assistiu o teto rodar. Queria se levantar, mas não tinha forças. Pensou em Sarah. Se alguém a fizesse mal... Pelo menos sua mãe e sua irmã estavam protegidas, pois moravam em outra cidade longe do psicopata que... Uma golfada azeda saiu pela boca trêmula. Uma nuvem negra invadiu a sua mente e sentiu que ia desmaiar. Não! Não podia desmaiar!     Precisava entregar o souvenir para o bandido. A serra. Tinha que buscar a serra no porão! O corpo começou a formigar e a consciência foi engolida pelo breu.
     Bem ao longe, o som da campainha irritante ecoou em seus ouvidos e aos poucos foi tornando-se mais nítida e estridente na medida em que Marcos recobrava os sentidos.
     Horrorizado, entre o vomito espalhado no carpete e o tocar insistente do telefone, viu a noite invadir pelas vidraças e rezou para que o desgraçado tivesse blefado dessa vez.
     Levantou o braço tateando a mesinha em busca do aparelho.
     − Alô. Disse com dificuldade.
     − Marcos! – A voz chorosa respondeu. – Marcos, a mamãe... – Soluços interromperam.
     − Lia? Lia? O que houve?
     − Marcos, a mamãe foi assassinada. – Comunicou sua irmã desabando a chorar.
     − Lia. Estou indo para aí. Acalme-se. Dentro de duas horas no máximo estarei chegando. Você consegue me esperar?
     − Ta bom. Vem logo, por favor! Foi horrível, Marcos. Horrível...
     − To saindo daqui.
     Apressado e sem conseguir raciocinar direito, Marcos entrou no carro e rumou para a casa da irmã.
     Só se deu conta do estado deplorável já no meio do caminho. As roupas amarrotadas com crostas de vomito seco e o cabelo desgrenhado só fariam piorar o estado de choque da irmã. Mas que diabos estava pensando? Sua mãe acabara de ser assassinada e ele estava preocupado com a aparência? Quem seria o responsável por tanta crueldade? O que teria feito de tão ruim para merecer um castigo desses?
     Meu Deus, o psicopata cumprira a promessa. Dá pra acreditar?
     As lágrimas escorriam molhando a camisa. Uma tempestade desabou de repente como se os céus também chorassem.
     O encontro com Lia foi muito triste.
     A mãe fora encontrada no chão da cozinha com uma mão serrada e enfiada na boca.
     Tudo bem que Marcos não era um exemplo de caráter. Tudo bem que vinha traindo a namorada e desviando dinheiro da empresa, mas duvidava que o sócio ou qualquer outra pessoa que conhecesse pudesse ter feito aquilo.
     Após o enterro, Marcos decidiu ficar na companhia da irmã. Ligou para Sarah e pediu que ela viesse, mas esta preferiu permanecer em sua casa até que as coisas se ajeitassem.
     Durante quatro dias Marcos pôde descansar. Nenhum bilhete assustador, nenhuma ameaça aparente e três vezes a cada hora se certificava de que Sarah estava bem.
     Não ligou para a amante Fabiana nenhuma vez se quer. O remorso o envolveu. Daria fim a este caso e assim que tudo se acalmasse pediria Sarah em casamento. Precisava se regenerar. Parar com as atitudes de moleque que já não combinavam com um homem de quarenta anos.
     Queria filhos. Isso. Muitos filhos. Já estava na hora de pensar sobre isso.
     Marcos aprontou-se para partir.
     Lia, menos aterrorizada com os ocorridos prometeu que ficaria bem.
     Ele entrou no carro e deu partida. Nenhum bilhete no para-brisa. Tudo estava voltando ao normal. Quem quer que tivesse feito aquilo parecia já estar satisfeito com tanta desgraça.
     Marcos parou em uma lanchonete na beira da estrada. Pediu um refrigerante e comeu um sanduiche de atum. Iria direto para a casa de Sarah. Mal podia esperar para vê-la.
     Pagou a refeição e deixou o boteco ansioso. Os passos apressados descontinuaram quando viu ao longe uma folha de papel pregada no para-brisa do carro. O tremor novamente apoderou-se de seu corpo.
     Lentamente Marcos avançou em direção ao veiculo. Hesitante pegou a folha e a manuseou por alguns instantes sem coragem de abri-la.
     O que quer que esteja escrito lá dessa vez ele faria. Não podia colocar em risco a vida de mais ninguém.
     Vacilante correu os dedos entre as laminas desdobrando a folha de papel.

“Uma corda amarrada no caibro do porão de sua casa te espera. Suba na cadeira e a coloque no pescoço. Você tem uma hora para dar fim a tua vida. Caso desobedeça, matarei sua noivinha. Qual vida vale mais, a sua ou a dela? Está em suas mãos”.
 
     Não. Não pode ser!
     Dirigindo feito um louco ele fez o percurso restante em quarenta minutos.
     A porta da casa de Sarah estava trancada. Tocou a campainha desesperadamente e esmurrou a janela até que o vidro se rompesse abrindo um corte em sua mão.
     Sarah desceu as escadas nervosa.
     − Marcos! O que houve? – Perguntou abrindo a porta.
     − Ai, graças a Deus. – Suspirou aliviado abraçando a sua amada.
     − Vamos, temos que sair daqui. – Ele disse. – Pegue algumas roupas e vamos sair agora!
     − Não! Não vamos a lugar algum! Temos muito o que conversar e além do mais você está muito nervoso, totalmente fora de si!
     Ele a abraçou se esvaindo em lágrimas.
     − Eu sei o porquê desse desespero todo. – Ela disse o empurrando. – É a Fabiana, não é?
     Ele baixou o olhar. Como ela sabia da Fabiana?
     − Pois eu já estou sabendo e não adianta vir aqui demonstrando todo esse arrependimento descabido porque eu não vou te perdoar!
     − Sarah, a Fabiana não significa nada para mim. Nós temos que sair daqui agora e eu não posso te explicar os motivos nesse momento. – Ele falou com sinceridade.
     − Senta aí e cala a boca!
     Ele obedeceu apavorado.
     − Marcos, a Fabiana esteve aqui. Ela está grávida, sabia?
     Um silêncio enfadonho destacou o som dos soluços que escapavam pela garganta de Marcos. Ele olhou no relógio. Tinha cinco minutos para chegar em sua casa e salvar a vida de Sarah.
     Levantou-se e correu até a porta, mas foi puxado pelo braço que o devolveu com violência ao sofá.
     − Você não vai sair daqui! – Ela gritou descontrolada. – Primeiro vai ouvir o que eu tenho a lhe dizer e assim que passar por essa porta, nunca mais quero ver a sua cara! Cafajeste!
     Sarah falou, falou, chorou, chorou e assim que o tempo estipulado pelo psicopata se esgotou, Marcos levantou o olhar.
     Seu semblante não era o mesmo. Feições malignas transfiguraram o seu rosto e uma risada sinistra repercutiu pelos cômodos da casa. O mesmo Marcos que a pouco soluçava copiosamente agora deixava escapar gargalhadas assustadoras.
      − Esta zombando de mim? – Sarah berrou o golpeando com os punhos cerrados.
     Ele a segurou pelos cabelos e olhou bem fundo em seus olhos.
    Sarah sentiu a ira que jamais presenciara em sua vida. Aquele não era o     Marcos. Não podia ser!
     Marcos a arrastou até a cozinha onde pegou uma faca e a golpeou.
     Pontapés arrombaram a porta. O policial deu um tiro certeiro na cabeça do assassino que caiu ainda segurando os cabelos de Sarah agonizante.
     − Acabou.- Disse o homem com a sensação de dever cumprido.
     Sarah foi levada ao hospital onde se recupera da facada. Sorte que os órgãos vitais não foram perfurados e em poucas semanas poderá ir para casa.
     Fabiana a visitou com um pedido de desculpas e um lindo vaso de flores brancas.
      Contou a Sarah que já suspeitava das atitudes estranhas de Marcos e decidiu ir á polícia.
     Durante a investigação, descobriram que ele próprio escrevia uns bilhetes os postando no para-brisa do carro. Após a sua morte encontraram o caderno, a caneta e compararam a caligrafia do defunto com os dois bilhetes achados no bolso de uma calça.
     Frascos de chumbinho escondidos no porão evidenciavam o assassinato dos cães.
     Nilton, o sócio, fez uma ligação para a casa de Marcos lendo o recado que o próprio pediu que ele lesse.
     − Faltam duas horas e trinta e cinco minutos. O que vai ser?
     Sem nenhum tipo de suspeita, Nilton atendeu ao pedido do amigo que alegara ter um compromisso e precisava ser lembrado.
     Marcos viajou até a cidade onde a mãe morava e esperou que a irmã saísse para cometer o crime contra a sua própria genitora. Suas impressões digitais foram encontradas na serra usada friamente naquela ocasião e dias depois do enterro, o garçom da lanchonete vira quando Marcos rabiscara um papel e o prendera no próprio veículo.
     Naquele momento Marcos já estava sendo vigiado e foi por esse motivo que a polícia o encontrou prestes a matar a namorada.
     Ninguém consegue compreender como um cara tão bem sucedido e aparentemente equilibrado foi capaz de cometer tantas atrocidades.
     Ele enganou e ludibriou direitinho todas as pessoas com quem convivia e se não fosse a denuncia de Fabiana e o bom trabalho da polícia, muitas vidas ainda seriam cruelmente tiradas pelas mãos do maníaco do bilhete.

CAIM


Caim

Dark Gero
Como dizia Dostoievsky: “O crime é o maior dos horrores humanos”. É nessa mesma sintonia que ofereço o conto Caim, do livro de contos Obscura, escrito pelo novo e engenhoso escritor, Dark Gero. É o tipo de história que guarda surpresas para o leitor de uma forma bem estruturada. No entanto, a leitura não e só interessante, mas reflexiva, pois levanta questões sobre o comportamento humano, como o ciúme, a inveja; além de temas sérios como o estupro e o aborto. Sem deixar o fato de ser muito mais que uma alegoria bíblica, baseada no relato de Gênesis, sobre o desfecho entre os filhos de Adão e Eva. Mesmo o conto lembrando um roteiro de teatro ou cinema, a narrativa tem traços shakespearianos por abordar gêneros da Literatura Universal, como o crime e o drama, sempre tão atuais. É com certeza uma excelente leitura!

     O celular de Luciano tocou. O carro estava em alta velocidade na estrada escura. Era seu pai.
     — Algum sinal dele? — perguntou desesperado.
     — Nada ainda — respondeu.
     — Eu liguei para a polícia, estão a caminho.
     — Tudo bem, vou continuar procurando — disse desligando o celular, de olho na estrada, com um milhão de coisas na cabeça. Tânia estava no banco ao seu lado, rezando para que não acontecesse nenhuma tragédia.

*

     Talvez nada justificasse o que ele estava prestes a fazer, ou, se justificasse, ainda assim seria o mais abominável pecado que já cometera. Nunca fora muito religioso, mas acreditava que se houvesse um Deus ou um paraíso, ele jamais conheceria. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas não deviam. Ele tinha de manter-se frio naquele momento, para que sua consciência não o martirizasse tanto pelo resto de sua vida.
     Era tarde da noite. Lucas estava em seu carro, escondido sob a sombra de uma árvore. Do outro lado da rua, estava a casa de seu irmão Luciano. Estava lá com sua namorada. Ele esperaria pacientemente que ela fosse embora e o deixasse sozinho...
     Seu irmão...
     Nunca odiara tanto alguém na vida. Era três anos mais velho, mais bonito, mais inteligente. Todos o idolatravam, exceto seus pais, que por ele ser o caçula, talvez, sempre o deram mais atenção. Mas o que era a atenção dos pais comparada a do mundo? Lucas, quando criança, era tímido e introvertido, enquanto Luciano fazia amizade com todos, fazia com que todos o amassem. Quando adolescentes, todos os professores de Luciano elogiavam seu excelente desempenho na escola, seus talentos múltiplos para o esporte, música e computação. Sem falar que ele era engraçado. As garotas se derretiam por ele, enquanto Lucas nem mesmo era notado. A única garota que se interessou por ele, era uma novata na escola, chamada Teresa. Era bonita, mas ele não a amava. Namoraram pouco tempo e ele terminou, pois não queria fazê-la sofrer.
     Luciano passou no vestibular na primeira tentativa. Lucas só conseguiu na terceira. Lembrou-se quando seus pais fizeram uma grande festa para comemorar. Não entendia por que não fizeram comemoração nenhuma para Luciano. Seus pais eram o paradoxo de sua vida. Sempre o mimavam, orgulhavam-se, mas eram indiferentes ao seu irmão. Talvez por culpa de ter tido um primogênito tão perfeito e um desastre como segundo filho, ou por pena, simplesmente.
     E por isso os odiava.
     Não queria a compaixão deles, não precisava. Seu irmão abraçara o mundo e ele ficara sempre à sua sombra. Poucos sabiam seu nome; ele era mais conhecido como “o irmão do Luciano”. Não tinha identidade, nunca cresceria. Não com seu irmão ofuscando-o.
     O pior era que Luciano era um bom irmão. Generoso, prestativo, sempre educado, compreensivo. Era mais um motivo para odiá-lo, o fato de não ter motivo algum.
     Até certo dia... depois de conhecer Tânia.
     Já havia se formado em Matemática, era um professor assalariado e Luciano já era a um bom tempo um advogado bem-sucedido. Lucas lecionava em um preparatório para concursos, quando conheceu Tânia. Ela tinha uma beleza rara, indescritível. Era um pouco acanhada, o que deixava seu sorriso inocente altamente sensual. Lucas apaixonou-se no ato. Ela o abordara na saída do preparatório, para tirar uma dúvida qualquer. Ele aproveitou para convidá-la para tomar algo. Não sabia de onde tirara a coragem, e de tão nervoso, transparecia seu interesse por ela. Ela sorria de forma cúmplice, demonstrando seu recíproco encantamento por ele. Conversaram a noite toda em um barzinho; Lucas não tinha dinheiro para um restaurante. Ela ria do jeito com que ele falava, como se conhecessem um ao outro há muito tempo. Era dois anos mais nova que ele, estava se formando em História. Se passasse no concurso público, trancaria o curso universitário. Bendito preparatório, pensou Lucas. Fora o que ligara os dois.
     Conversavam todos os dias após a aula; e um dia Lucas convidou-a para jantar em sua casa. Sabia que ela não iria, mas para sua surpresa, ela aceitou. Ele ainda morava com os pais, a contragosto. Só não comprava uma casa para si, porque o salário não permitia. Luciano morava sozinho em um apartamento, mas ia visitar os pais de vez em quando.
     Aquele dia fora um deles.
     Maldito dia.
     Lucas apresentou-a à família como “uma amiga da escola”, mas seu desejo era apresentá-la como namorada, futura noiva, qualquer coisa assim. Eles nasceram um para o outro, tinha certeza. Luciano fora mais educado que o habitual, e mais engraçado também. À mesa, Lucas nunca teve sentimento tão forte: o medo da perda, um ciúme incontrolável. Tânia ria o tempo todo do que Luciano falava, de suas histórias, de como as contava. A conversa na mesa resumira-se aos dois; Lucas e os pais estavam sobrando. Seu pai percebera seu desconforto e até que tentou falar bem dele, exaltando suas qualidades para a jovem; mas Luciano, com um comentário ou outro, conseguia prender a atenção dela, seus belos sorrisos, sua admiração.
     Lucas não dormira naquela noite. Tivera pesadelos acordado. Imaginava-se o resto da vida com os pais, e Luciano casado com Tânia...
     Não!
     Ele a conhecera primeiro, ela pertencia a ele. Luciano tinha tudo, mas não a merecia. Ele a merecia. Iria conquistá-la, denegrir a imagem do irmão. Custasse o que custasse. No dia seguinte, após a aula, conversara com Tânia muito pouco, pois ela estava apressada para ir embora. A curta conversa resumira-se a como Luciano era interessante e inteligente. Mencionou que seus pais eram amáveis, apenas por educação, pois ela não tinha muito a falar sobre eles.
     Sentiu que estava perdendo o que nunca teve para o maldito irmão que tivera tudo. Resolveu declarar o que sentia para Tânia. Convidou-a para jantar em um restaurante, pois o barzinho não seria nada romântico. Procurava as palavras certas para expressar-se. Foi quando ela falou que tinha algo para lhe confessar. Seu coração gelou, quando Luciano entrou sorridente no restaurante, aproximando-se dela...
     Beijou-a.
     O chão desabou sob seus pés. Ele sentiu uma náusea estranha, uma vontade de vomitar. Seu corpo queimava de ódio e ciúmes por dentro. Uma mistura corrosiva, dolorosa.
     — Lucas, eu e seu irmão estamos namorando. Desculpa não ter dito nada antes...
     — Ela era só sua amiga, você disse — defendera-se Luciano, sorrindo.
     Luciano devia ter ligado para ela, e ela dito onde estavam. Ficaram os três no restaurante. Lucas sentiu que ia desmaiar, queria acordar daquele pesadelo...
     Mas não acordou.
     Luciano comprou uma casa próxima à residência de Tânia. Namoravam sério, até pensando em noivado. Era demais para ele! Aquele fora o cúmulo. Seu irmão tinha de desaparecer, para que ele fosse feliz.
     Esperava em seu carro pacientemente na escuridão, o momento em que Tânia sairia da casa de Luciano, deixando-o sozinho. Estava lá há horas. Imaginou com profundo nojo e amargura os dois em uma transa alucinada. Mais uma na longa lista de seu irmão.
     Finalmente.           
     Abriram a porta e ela despediu-se dele com um beijo demorado. Lucas viu-a dobrar uma esquina... a de sua casa. Cretino, nem mesmo a deixava em casa! Saiu do carro com a faca na mão. Era a hora.

     A campainha tocou. Luciano foi abrir a porta, antes verificando quem era pelo olho mágico.
     — Olá, mano. O que faz aqui a esta... — assustou-se ao ver a faca. — O que é isso, Lucas?
     — Você tem que morrer, Luciano. Só assim eu vou existir.        
     Luciano recuou assustado. O irmão tremia, com os olhos lacrimejando.
     — Você me tirou o que eu nunca tive. Não deixou que eu fosse feliz, porque você roubou a felicidade toda pra você! Você sempre foi o primeiro, Luciano, o primeiro e único! Deus sorriu pra você e cuspiu na minha cara.
     — Do que você está falando, Lucas? Eu nunca te tirei nada, eu sempre te amei, maninho.
     — NÃO ME CHAMA ASSIM! — explodiu Lucas. — Não seja hipócrita! Você nem mesmo ama a Tânia, mas está com ela pelo prazer de me ver sem ninguém!
     — Então é isso? Vai me matar porque roubei sua namoradinha? Escuta aqui, Lucas, cresça! Não sabe lidar com a derrota, problema seu, mas isso não é razão pra agir dessa maneira! Eu não a forcei a nada e se está comigo, foi porque me escolheu.
     — Esse é o problema, você é perfeito demais. Não dá pra competir com a perfeição — falava com a voz embargada de emoção.
     — Se fizer essa besteira, Lucas, vai ser o maior fracassado de todos — tentava aproximar-se um pouco, com as mãos espalmadas em defesa. —A Tânia não te merece, mano. Está comigo por interesse. Sabe o que ela me disse? Que você é o cara mais interessante que ela já conheceu. E eu também acho. Tenho orgulho de ser seu irmão...
     Lucas largou a faca e caiu de joelhos, chorando desesperado. Luciano ajoelhou-se e o abraçou.
     — Desculpa, Luciano! Desculpa! Eu sou um verme invejoso, não mereço viver...
     — Calma, mano, calma...
                                    

*


     Tânia voltava para a casa de Luciano, havia esquecido a bolsa lá. Ao chegar à frente, viu a garagem se abrindo e o carro veloz de seu namorado dar a ré.
     — Luciano! — aproximou-se da janela do carro. Ele estava nervoso. — O que houve?
     — O Lucas tentou me matar e foi embora dizendo que ia acabar com a vida! Rápido, liga pros meus pais. Eu vou ver se o encontro antes que seja tarde!
     — Não, eu vou com você! — desesperou-se ela. — Eu ligo no carro, pelo celular!
     — Entra, rápido! Ele é capaz de fazer besteira — disse abrindo a porta para ela.

     Rodaram durante uma hora. Nada de Lucas. Tânia chorava de forma convulsiva depois que Luciano recebeu a ligação do pai. Clamara para que ele lhe explicasse por que Lucas tomara aquela atitude, mas ele disse que não havia tempo.
     — Você está alterada, Tânia. É melhor descer do carro. Se o encontrarmos, não será uma boa idéia que esteja presente.
     Tânia tentou contestar, mas estava fora de questão. Ele a deixou em casa e continuou sozinho no carro. Dirigiu para a beira de um rio.
     Desceu do carro.                   
     Abriu o porta-malas.
     Olhou bem para o corpo morto do irmão, lá dentro.

*

     — Calma, mano, calma... — ele abraçava o irmão caçula que chorava incontrolavelmente.
  Luciano pegou a faca do chão, e enterrou-a no peito de Lucas.
     — Há anos aguardo esse momento, irmãozinho — sussurrou ao ouvido de Lucas, torcendo a faca enquanto ele agonizava. — Você sempre ficava com o que mais tinha valor, o que era meu por direito, Lucas. A garota que eu mais amei. A Teresa se apaixonou por você e você desperdiçou, não a deu valor. Por isso ela foi embora para sempre... E o que eu mais queria, o amor de meus pais, você me roubou completamente... Eles deixaram claro que você era o preferido. Passei a vida tentando impressioná-los, mas eles só enxergavam você, mesmo sendo um maldito fracassado! Tomei sua garota por maldade, só pra vê-lo sofrer, seu maldito! Eu fui o primeiro, eles deviam me amar! A mim! — Lucas golfou sangue em sua camisa. Luciano retirou a faca, afastando-se. O corpo morto caiu no chão.
      Contemplou com incontida alegria o fim de anos de vingança. Fizera de tudo para conquistar a atenção dos pais, mas era invisível. Seu maldito irmão tomara o que mais queria. Passara a vida inteira dedicando-se àquela vingança sádica e demorada. Queria ver o irmão sofrer, sucumbir no próprio ódio, tornar-se menor que nada. E conseguira. Finalmente. Pudera enfim enterrar todo o seu ódio no peito dele através daquela lâmina.
     Foi limpar o sangue do corpo, para livrar-se logo do cadáver de Lucas. Agora tudo seria só seu.
     Seria o único.
     E seus pais teriam de amá-lo...

     No funeral de Lucas, havia vários amigos, parentes e alunos que o viam mais do que um professor. Luciano estava abraçado com Tânia, que também chorava convulsivamente. Os pais dele estavam desolados. Choravam a dor terrível da perda do filho. Luciano aproximou-se dos pais, afastando-se de Tânia. Por trás de seus óculos escuros, estavam dois filetes de lágrimas para não causar estranheza. Era sua hora de por fim conquistar a atenção dos pais.
     — Pai, mãe, não se preocupem, eu vou cuidar de vocês.
     — Por que ele se matou, meu Deus? — perguntava-se desesperado o pai. — Por que tirou a própria vida?
     — Ele não mereceu o amor de vocês, pai. Não deu valor...
     — Não mereceu o caralho! — gritou o velho, de repente. — Você é quem devia ter ido no lugar dele! Você nem devia ter nascido!
     Luciano ficou estático. Tirou os óculos, revelando seu olhar em choque.
     — P-Pai... O que...
     — Amor! Pare, por favor! — implorou a mãe dele, tentando acalmar a fúria do pai.
     — Não, querida! Chega de guardar esse rancor no peito! Devia ter abortado esse cara quando teve a chance. Toda vez que olho pra ele lembro que é fruto de um estupro, filho de um maldito bandido que te violentou, meu amor! Passei a vida inteira fingindo que ele era meu filho, mas ele é filho do mal! Filho do diabo! — cuspiu na cara de Luciano.
     A mulher caiu de joelhos, em agonizante pranto. O homem deu as costas, afastando-se do aglomerado de pessoas chocadas com a cena. Tânia imediatamente andou até Luciano que estava imóvel.
     Ia dizer algo, mas não teve reação perante a expressão no rosto do namorado.
     Nunca esqueceria aquele olhar.
     Um trovão explodiu no céu. Parecia uma gargalhada de Deus.
     Ou do Diabo.
     Começou a chover.

A MÁSCARA

A Máscara
 Tarsis Tindarsam
Muito querido pelo público adolescente e jovem, este conto foi escrito num só dia. Assim como O Enigma da Pedra, tal história faz parte da categoria Contos de Assombrações Noturnas, o que já é bastante sugestivo. Talvez seja o conto com mais suspense que eu já tenha escrito. Mas só o leitor pode sentir realmente o que a história oferece a cada instante. Essa narrativa foi escrita em meados de 2009, na mesma época (e quase um dia depois) que o conto de aventura e horror, Na Floresta. 

    Era uma noite fria, Dia das Bruxas, quando alguém bateu com força na porta dos Hangleton. Muito surpresos, o casal de velhinhos apressou-se para abri-la. Curvaram as cabeças para baixo e encontraram apenas uma caixa encardida sob o tapete envelhecido da porta. Olharam ao redor. Não havia ninguém. Somente a tênue luz dos lampiões acesos, no fim da estradinha. Howard Hangleton abaixou-se e pegou a caixa. Sua esposa fechou a porta depressa.
    ― Não sabia que o serviço de correios funcionava à noite, minha velha ― ele disse com a caixa nas mãos. Sentiu que o conteúdo não era muito pesado.
    ― Howard, meu velho, ponha na mesa. A caixa está lacrada? Você vai abri-la ou não? ― a meiga senhora perguntou ao esposo, muito interessada.
    Ele fez o que a velha lhe pediu. Então os dois olharam impassíveis para a caixa, mas logo a esposa estreitou os olhos, desconfiada.
    ― Acho que não tem remetente ― o velho constatou.
    A caixa tinha um lacre azul e vários selos com o rosto da Rainha da Inglaterra. O velho balançou a caixa.
    ― E se dentro dela tiver um bicho morto? ― perguntou a velha com os olhos arregalados. ― Alguma brincadeira macabra no Dia das Bruxas.
    ― Então sentiríamos um fedor de podre ou de sangue. Você pediu para eu abrir. Mudou de idéia?
    Ele começou a romper o lacre. Parou e falou muito sério:
    ― Pode ser a cabeça degolada de alguém. Afinal, como você disse, é noite de Halloween.
    A velha tremeu.
    ― Não me assuste, Howard ― ela pediu com os braços encolhidos e os olhos arregalados.
    ― Mesmo assim, é melhor você se afastar, pode ser perigoso.
     A mulher olhou para o esposo e obedeceu. Ele abriu vagarosamente a caixa. De súbito, o velho  soltou um grito rouco.
    ― Ó, minha Santa Edwiges! O que foi, Howard? ― a velha perguntou, apavorada.
    Ele a encarou e seus lábios se abriram em um sorriso traquina.
    ― Doces ou diabruras? ― perguntou o esposo, ainda sorrindo. ― Quero dizer, travessuras...
    ― Não faça de novo, Howard! Nossos corações já estão velhos demais para suportar brincadeiras como essas!
    ― Venha ver ― ele pediu, ainda sorrindo. ― Ainda não sei o que é.
    Ela se aproximou pouco à vontade. O velho enfiou a mão na caixa, desembrulhando de uma vez o que estava oculto.
    ― Uma máscara? De onde veio? Não parece de Halloween ― a esposa comentou.
    ― Acho que é africana. E há uma carta debaixo dela. Santa Edwiges! É uma carta de Jacob! ― exclamou o velho, ao notar a caligrafia desajeitada do filho.
    Os dois ficaram eufóricos.
    ― Ele já está na África, minha velha. ― disse, sentindo-se animado ao ler as primeiras palavras.
    ― Ó, meu menino já está lá? ― Ela lacrimejou enquanto tirava da mesa a caixa encardida com a máscara dentro. Tentava esconder do marido a saudade do filho. Não queria que ele se abatesse também.
    ― Preste atenção, vou ler ― falou, sentando-se em uma confortável poltrona perto do fogo e voltando os olhos à carta.
    ― Leia, enquanto deixo a máscara no console da lareira. ―  A velha pediu, prestando atenção no objeto. Ela não gostou muito, mas não disse nada ao esposo. A máscara era feita de palha, os orifícios dos olhos tinham um desenho demoníaco, a abertura da boca era esquisita, como a boca caída de um cadáver. Lembrava um artefato utilizado por feiticeiros africanos. ― Não vai ler? ― insistiu ela, querendo saber do filho.
    O velho já estava na metade da carta, voltou ao princípio e leu em voz alta:

    “Meus velhos, onde estou é extremamente quente. Sinto falta do clima ameno da Inglaterra e desse bairro tão distante, em Cambridge. Estou atendendo a muitas pessoas doentes. O  árduo dever da medicina me chama quase sempre. Mas vocês me conhecem, eu gosto. A África é um lugar pobre e ao mesmo tempo rico em cultura. Tive acesso a algumas tribos do Quênia e nada supera a grandiosidade da fauna, da savana e da beleza que emergem deste canto da Terra.
    Envio a vocês uma máscara feita por um feiticeiro de uma tribo de pigmeus chamada Okavango. Achei um presente interessante que representa bem a África. O povo daqui pratica muita feitiçaria. É comum encontrar animais degolados e mortos na estrada em cidades mais pobres.
    Devo estar ai perto da primavera. Talvez volte mais velho; o sol daqui é infernal.

    Abraços de seu filho Jacob Hangleton.”

    ― Essa carta foi bem menor que as outras ― comentou a velha.
    ― Acredito que nosso filho está muito ocupado. Acho que escreveu com pressa. Ao menos sabemos que está bem.
    ― Sinto falta dele, Howard.
    ― Eu também, minha velha, eu também.
    Ele se levantou meio abatido e entregou a carta à esposa. Ela enxugou as lágrimas da face, sentou em sua poltrona e pôs os óculos para dar sua própria lida na carta.
    O velho Hangleton foi até a lareira, tentando disfarçar a tristeza.
    ― Como fico com esta coisa? ― O marido levou a máscara africana ao rosto.
    Ela olhou atenta para o esposo. Viu os olhos dele se moverem pelos dois orifícios. Sentiu medo. O velho parecia mau com aquilo.
    ― Howard, tire isso.
    Ele continuou com a máscara, os olhos movendo-se, as duas bolinhas opacas e frias. Então mexeu a cabeça de um jeito demente. Isso a assustou ainda mais.
    ― Howard, por favor!
    Ele continuou usando-a.
    ― Howard!
    ― Está bem, está bem! ― Ele riu. ― Você se impressiona com tanta facilidade!
    ― Não gostei dessa coisa ― ela comentou, mas se arrependeu de imediato. Sabia que aquilo representava uma conquista profissional do filho e, de certa forma, o esposo também se sentia realizado.
    ― Também não gostei ― ele falou rindo, meio sem graça, deixando a máscara no mesmo lugar.
    Ela ficou surpresa, esperava que o marido gostasse de todos os presentes que Jacob mandava.
    ― Não é como aquela bengala tikuna que ele enviou do Brasil. Ou o totem em miniatura do Canadá. Essa coisa é diferente. É assustadora. ― ele falou.
    ― Pensei que fosse ficar magoado por eu ter dito aquilo ― disse a velha, receosa.
    O marido sorriu outra vez, dessa vez com os olhos azuis alegres no rosto enrugado:
    ― Amanhã veremos onde vamos guardar isso.
    ― Howard, por que não guardamos agora? Ela me dá arrepios.
    ― Está bem. Vou guardar no porão e deixá-lo bem trancado. ― ele gargalhou ao dizer a última frase. Pegou a máscara e sumiu da sala.
    A velha ficou em sua poltrona acolchoada tricotando um novo cachecol vermelho. O fogo da lareira crepitava, suave. Pensou como estava confortável ali. O marido juntara toda a aposentadoria para fazer algumas melhorias na casa. Moravam há muito tempo nela. Era num bairro isolado, mas não trocava a tranquilidade daquele lugar por nada. Lembrou-se dos tempos difíceis. O esposo trabalhou três vezes mais e finalmente podiam então descansar. A velhice seria bem tranqüila.
    O velho voltou com o rosto ligeiramente cansado:
    ― Minha velha, acho que vou deitar mais cedo.
    ― Está bem, já estou indo. Feche a janela, a noite está fria ― ela o aconselhou.
    Ele a beijou na testa e subiu a escada. A velha continuou lá, tricotando seu cachecol vermelho vivo.
    Sozinha, percebeu que estava com sono. Tinha de terminar logo aquilo. Apesar de ser relaxante, tricotar exigia certo poder de concentração.
    Alguma coisa estalou na lareira. Talvez algum pedaço de madeira fria. A agulha em suas mãos cintilou, refletindo as labaredas do fogo. Buscou mais linha na cesta ao lado da poltrona. O fogo crepitou alto, outra vez. Quando virou a cabeça para olhar, lá estava a máscara pálida no console da lareira.
    ― Howard!
    Ela tinha certeza de que a máscara fora guardada. Howard fizera isso, sem dúvida ele a guardara. A máscara a olhava. Aqueles dois olhos vazados e diabólicos.
    ― Howard! Howard! ― Dessa vez, ela gritou.
    O marido correu pela escada. Correu tão depressa que tropeçou, precipitando-se como um saco de batatas pelos degraus até o chão.
    ― Howard! Você está bem? Howard, fale comigo! Fale comigo! ― Ela correu desesperada, deixando o tricô cair.
    O velho gemia ainda tonto, com uma das mãos na costela.
    ― Acho que estou bem. ― Ele tentou se erguer.
    ― Não se levante. Devemos chamar um médico.
    ― Onde vamos encontrar um médico uma hora dessas, minha velha?
    ― Descanse um pouco, meu velho ― ela falou carinhosamente. ― Como você é teimoso!
    Ele já estava de pé.
    ― Por que diabos você gritou? ― ele perguntou à esposa, massageando o lado esquerdo do corpo.
    A velha senhora se lembrou porque havia gritado, então, de imediato desviou a cabeça e os olhos para o aparador da lareira.
    ― A máscara! Ela estava... ― A mulher nem se deixou completar a frase. Ficou de queixo caído. A máscara não estava mais lá. Tinha sumido.
    ― O que? O que foi? ― o velho insistiu.
    ― Tenho certeza de que... Estava ali, perto da lareira. Aquela máscara...
    ― Mas eu a guardei no porão que está trancado ― o esposo a lembrou.
    ― Eu sei, mas... ― Ela ainda não acreditava.
    Os dois se entreolharam por algum tempo.
    ― Sabe, minha velha, senti medo de ficar naquele quarto escuro. Já estava pegando no sono quando imaginei aquela máscara pálida bem na minha frente. Acho que devíamos queimá-la. ― ele sugeriu com o semblante assustado.
    ― Vamos juntos ao porão? Mas se você não estiver em condições, irei sozinha. Você está realmente bem?
    ― Já estou melhor, não se preocupe comigo. ― Ele disfarçou a dor na costela, que persistia.
    A velha pegou as chaves do porão. Usou-a para abrir a porta. Eles desceram a escada de madeira, apoiando-se um no outro.  Os degraus rangiam.
    ― Depois desta noite, não vou me arriscar a subir e descer tantas vezes uma escada. ― O velho riu.
    ― Podíamos ter construído um quarto no andar debaixo. Nunca pensamos que a velhice exigiria alguns cuidados.
    Detiveram-se no meio da escada. Estava bem escuro ali.  Quase nenhuma claridade escapava da porta aberta.
    ― Onde está a luz? Por que não funciona? ― a velha indagou ao apertar o interruptor.
    ― Porões mal-assombrados sempre são escuros e úmidos. ― O marido brincou com voz em suspense.
    ― Você está me assustando de novo! Às vezes me lembra seu filho Jacob.
    Já haviam chegado ao último degrau quando viram a máscara pendurada na parede.
    ― Lá está ela ― o velho disse.
    ― Vamos logo. Vamos pegá-la e sair daqui. Essa escuridão toda me dá arrepios.
    Eles apanharam a máscara com medo de encará-la. Subiram um pouco mais depressa. No entanto, antes que chegassem até a porta, o velho Hangleton brincou outra vez:
    ― Talvez a porta se feche antes que cheguemos até ela. Aí ficaremos presos nessa escuridão.
    ― Howard, não vejo mais graça alguma nisso! Não estou me sentindo bem. Você não viu o que eu vi! ― ela trovejou, enraivecida.
    ― Na verdade, vi a máscara atrás do vidro da janela, lá no quarto. ― Ele confessou, sério. ― Ou pelo menos pensei ter visto algo parecido...
    ― Por que não me contou? ― ela perguntou, intrigada.
    ― Porque você se impressiona muito.
    ― Foi por isso que saiu do quarto correndo, quando gritei?
    ― Não acredito mesmo ter visto alguma coisa, minha velha. Acho que fiquei impressionado também.
    Não se demoraram muito para trancar o porão, atravessar a sala e jogar a máscara no fogo da lareira. Ela incendiou com facilidade. Uma fumaça branca e encorpada subiu pela chaminé.
    ― Jacob vai ficar triste ― a velha comentou.
    ― Podemos dizer que nunca recebemos a encomenda. Uma falha nos correios britânicos ― o velho falou, atento à mascara que queimava.
    ― Espero que ele acredite. ― a esposa desejou.
    ― Depois temos de queimar a caixa também. ― completou o velho.
    Subiram as escadas, olhando ao redor, sempre vigilantes. As últimas cinzas da máscara se elevaram nas labaredas.
    O velho apoiou-se em sua velha até chegar no degrau mais alto. Ele se queixou da dor na costela.
    Quando entraram no quarto, a esposa foi até o guarda-roupa e tirou um pequeno frasco. Abriu a tampa e melou os dedos com um ungüento lácteo. Depois massageou o lado arroxeado do corpo do marido.
    Então, deitaram-se na cama e puxaram os grossos cobertores para si.
    ― Boa noite, minha velha.
    ― Boa noite, meu velho.
    Não sabiam se teriam uma noite de sono muito boa, depois do ocorrido.
    A velha pensou que estivesse louca. Achou ter visto o reflexo da máscara na parede que dava para a janela. Olhou para vidraça. Não havia nada. Tentou dormir, mesmo vendo o rosto pálido da máscara ao fechar os olhos.
    Lá embaixo, o fogo da lareira diminuiu. A escuridão natural da noite sombreou a sala. Um ruído quebrou o silêncio. Eram passos.
    ― Ouviu isso? ― o velho se ergueu assustado.
    ― Meu Deus, eu ia perguntar a mesma coisa. Não consigo dormir, Howard. E agora esse barulho.
    ― Vou pegar a espingarda ― falou, decidido.
    ― Por que não telefonamos para polícia? ― ela aconselhou.
    ― Bem, é que... Não temos telefone. A linha não funciona desde o último vendaval.
    ― Você não me disse nada. Por que você nunca me diz nada? ― a esposa  perguntou, aborrecida. ― É por isso que não queria que eu chamasse um médico. Não queria que eu descobrisse que estamos sem telefone.
    ― Ora essa, quase não o usamos. Você só telefona para a prima Louise na época do Natal.  Eu ia resolver o problema na semana que vem.
    ― Não vamos usar a arma, Howard. Vamos gritar para os vizinhos pela janela.
    ― Minha velha... ― o marido falou, tímido. Tinha outra coisa para contar.
    ― Sim, Howard ― ela disse, esperando uma surpresa ruim.
    ― Os Stevenson viajaram, os Collins também...
    A esposa mordeu os lábios. O marido continuou:
    ― Os Collins foram para o casamento da filha na Irlanda. E os Stevenson, ao que parece, compraram uma casa em Londres. Há uma semana não moram mais ao lado. Acho que ninguém pode nos ouvir, já que nesse quarteirão existem apenas três casas, incluindo a nossa.
    ― Então pegue a arma ― a velha  concordou, contrariada.
    O homem se levantou com dificuldade. Abaixou-se e pegou uma espingarda Remington de cano duplo que ficava guardada embaixo da cama. Abriu a gaveta do guarda-roupa e tirou algumas balas.
    O velho Howard lembrou-se de que não tinha porte autorizado para aquele tipo de arma. Lembrou-se também de que a mulher não sabia deste detalhe, e nem deveria saber.
    ― Howard, e se isso for bruxaria? ― a velha perguntou.
    ― Hã. O quê? ― o velho disse sem dar importância às ideias da mulher, enquanto aprontava a espingarda.
    ― E se for magia negra? Uma vez eu tropecei naquela estranha bengala tikuna semelhante a uma cobra, e minha artrite nos joelhos piorou depois disso. Nunca mais a usei. Jacob pode ter nos enviado essa máscara sem saber que ela carregava algum tipo de maldição...
    ― Besteira! Você ainda está pensando nela? Nós a queimamos! ― o marido foi estúpido ao dizer. ― Pode ser um ladrão, um arrombador de casas.
    Fizeram silêncio. Os passos rangiam e vinham mesmo do andar debaixo.
    ― Acho que tem razão. Mas vou descer com você. ― a velha falou.
    ― Fique atrás de mim! ―  pediu o marido, sobressaltado.
    ― Está certo.

    Eles desceram devagar pela escada, a madeira dos degraus rangendo. Olharam atentos ao redor. O velho empunhava a espingarda. Aparentemente tudo estava calmo. Algumas brasas da lareira continuavam acesas, deixando a sala mergulhada numa penumbra laranjada e balouçante. 
    ― Há alguém aqui? Apareça! Tenho uma arma ― o velho gritou.
    ― Howard! Ali!
    A máscara flutuava na escuridão. Saíra pela entrada da cozinha. A velha soltou um berro. O velho não pensou duas vezes. Mirou e atirou. Um líquido rubro espirrou na parede. Sentiu que não havia acertado a máscara. Mesmo assim, ela caiu no chão de forma pesada e estranha.
    Logo perceberam que alguém a usava. Alguém vestido todo de negro.
    ― O que é isso? ― O velho enrugou a testa.
    Havia sangue no chão que escorria da figura negra até formar uma poça densa e escarlate. O cheiro de sangue era forte.
    Eles se aproximaram, ainda com o eco do tiro nos ouvidos. Os dois velhos, cansados, abaixaram-se para tirar a máscara devagar.
    ― Ó, meu Deus!  ― A velha tremeu, os pelos da nuca arrepiados ― Ó, não! Não! Howard! Não!
    Ela pôs as mãos na boca.
    O velho ainda não tinha reconhecido. Finalmente quando as sombras se alinharam na vista, percebeu que havia atirado no próprio filho.
    ― Jacob... ― ele tentou gritar, mas conseguiu emitir apenas uma voz sufocada. ― Jacob!
    Já era tarde, pois os olhos azuis de Jacob estavam sem vida. O rosto era bonito, mas agora suava pálido, da cor da máscara caída ao seu lado, manchada de vermelho.
    ― O que fizemos?! O que fizemos, Howard?! ― a velha gritava, tremendo incontrolavelmente. Sentada no chão, usou as mãos para tentar diminuir o fluxo sanguíneo que saia do peito do filho. ― O que vamos fazer? Diga alguma coisa, Howard!
    ― Deixe-o. Ele já está morto ― o marido sussurrou. Lágrimas escorriam por sua face. Então juntou-se à esposa, sentando-se ao lado dela, perto do corpo do filho.
    Os velhos choraram a noite toda. Choraram tanto diante do filho morto que acreditaram que seus pobres corações não suportariam a imensa dor. Quando, por fim, só restou a aflição e as lágrimas quase não desciam, eles observaram as roupas negras que o filho vestia.
    ― Howard, por que ele está todo de negro? ― ela indagou, apática, a voz tão baixa que o marido quase não a ouviu.
    O velho coçou a cabeça e levantou-se, abatido. Demorou alguns segundos até pensar em alguma coisa:
    ― Acho que ele queria nos pregar uma peça, fazer uma surpresa para nós.
    ― Devemos chamar a polícia ― a velha falou debilmente.
    ― Você está louca? Não vão acreditar que foi um acidente! E quando provarem que eu o matei, vão me prender. Talvez passe anos na cadeia, e lá dentro é como uma sentença de morte! ― disse o marido, temeroso. ― Você vai ficar sozinha, Úrsula.
    Ela não queria uma velhice solitária. Pensou que o marido pudesse estar certo. Sabia que fora um acidente.
    ― Então, o que vamos fazer, Howard? ―  A velha puxou o filho morto até o colo, sujando-se com o sangue. O velho tremeu. Era a visão mais horrível que testemunhara na vida.
    Ela  soltou um longo suspiro.
    ― Vamos enterrá-lo no quintal ― o velho murmurou, apático.
    A esposa o olhou, triste; tão profundamente triste e enfraquecida que o marido começou a chorar.
    ― Não me olhe assim! ― O velho pranteou mais alto. ― Isso é pior que a pena de morte! Não sabe o quanto! Vou passar o resto da vida me sentindo culpado... Ó, Deus!
    Ele abaixou a cabeça e percebeu que as lágrimas desceram mais pesadas dessa vez.
    A esposa deixou o filho de lado e o abraçou. Era a única coisa que podia fazer naquele instante. O velho Hangleton não teve nojo algum dela, afinal, era o sangue do filho que ela tinha nas vestes.
    A velha se despediu do filho morto, beijando-o na testa fria. As lágrimas caíram sobre ele. O velho pediu perdão ao filho, mesmo sabendo que  Jacob jamais responderia. Uma opressão apossou-se dele, uma tristeza que não tinha fim.
    Naquela mesma noite, carregaram o corpo do filho até o quintal e o enterraram debaixo de uma frondosa bétula. Lembraram-se dos tempos em que Jacob era criança e brincava nos galhos da árvore.
    Não disseram nada. O silencio caíra sobre os dois. O velho pensou em proferir algum salmo, mas não, não podia. Sentia-se desolado, contrafeito, culpado. A velha apenas arrumou algumas pedras brancas tiradas do jardim.
    Lá fora estava frio, mas eles não se importaram. A dor era bem maior.
    No chão ensanguentado da sala eles observaram a máscara. Ela continuava lá, caída.
    ― Howard? ― a esposa o chamou, imóvel.
    ― O que foi? ― o velho se virou depressa.
    ― Não queimamos a máscara? ― ela perguntou para ter certeza de que não estava num pesadelo. Esquecera que o filho usava a máscara quando o marido atirou.
    ― Sim, queimamos. ― Um vinco formou-se no cenho dele. ― Por quê?
    ― Mas Jacob estava usando outra máscara. Por que tinha outra máscara?
    ― Não sei. Talvez, como eu disse antes, quisesse nos fazer uma surpresa no Dia das Bruxas ― ele finalizou. Tentava não pensar mais no assunto, contudo, a mulher insistia.
    ― Vou queimar esta também ― Ela apontou para a máscara ensanguentada. ― Aliás, encontrei mais outra no quintal, caída na grama. Estava com algum tipo de resina.
    ― Onde a guardou? ― perguntou o esposo, intrigado. 
    ― Já a queimei. ―  E, com essas palavras, jogou a última máscara no fogo da lareira.

    Aqueles pobres velhos nunca teriam conhecimento dos planos cruéis do filho. Jacob era perverso, um tipo de monstro silencioso. Arquitetara matá-los de susto, no intuito de herdar mais depressa a propriedade dos pais. Articulara enlouquecer os velhos de tal forma que provavelmente eles teriam morrido de medo.
    Jacob sabia que os pais tinham a saúde frágil. Um susto e eles escorregariam, ou bateriam a cabeça; os níveis de adrenalina subiriam, possibilitando uma parada cardíaca. Jacob esperava que reagissem assim.  Os pais eram supersticiosos, por isso tentou envolvê-los em um falso mistério sobrenatural.
     Caso o plano não funcionasse, iria assassinar os próprios pais, enquanto estivessem dormindo. Acreditou que ninguém estranharia. Era uma coisa tão comum em bairros isolados.
    Como os vizinhos não estavam por perto, usou a oportunidade e cortou os fios telefônicos, três dias antes, para que os pais ficassem incomunicáveis. Os velhos não teriam como pedir ajuda ou chamar a pólicia.
    Ao bater na porta, aquela noite, deixando a caixa sobre o tapete, sabia que os pais teriam medo da máscara, e logo tentariam se livrar dela. 
    Sua velha mãe nunca desconfiaria, mas Jacob, depois da ocasião em que o pai guardara a máscara no porão, entrara todo vestido de preto por uma das janelas, deixando a máscara no console da lareira sem que a mãe percebesse. Quando seu velho pai caiu pela escada, ele aproveitou a oportunidade e silenciosamente tirou a máscara. A velha começou a pensar que estava louca, é claro.
    Antes disso, quando o pai estava no quarto, Jacob, do lado de fora, já havia usado uma escada para colar a máscara no vidro da janela. A máscara com a resina. Fez tudo com extremo capricho. Até mesmo provocou o ranger do chão, para que os pais descessem e assim encontrassem a máscara outra vez.
    Todavia, nunca pensou que o pai tivesse coragem de atirar. O velho jamais usara a espingarda alguma vez na vida. E, então, Jacob estava morto e enterrado. Mas também havia de alguma forma matado os próprios pais, pois a tristeza caminhava diariamente com aqueles velhos.
    De vez em quando, os velhos tinham pesadelos de morte e às vezes nem olhavam um para o outro. Depois de alguns anos, perceberam que o perdão e o amor eram os únicos sentimentos capazes de superar toda aquela terrível lembrança. Entretanto, nunca iriam desconfiar que durante toda a sua existência, Jacob Hangleton usara outro tipo de máscara.